Cultura de salão se reinventa no Brasil

Feb 13, 2024

Existe um lugar onde pessoas negras LGBTQIA+ são livres. É um espaço onde são respeitados e admirados, e onde podem ser reconhecidos e celebrados através da arte. Este local de encontro e celebração chama-se Ballroom.

A cena Ballroom nasceu há mais de meio século nos Estados Unidos como espaço de lazer, experimentação artística e resistência à violência e à discriminação. Tudo começou com Crystal LaBeija, a fundadora da cultura Ballroom. Indignada com as palhaçadas racistas na cena dos concursos de drag, ela decidiu organizar o primeiro Baile para LGBT+ negros e latinos em 1972.

Ir a um baile é uma experiência única. É um espetáculo emocionante que mistura elementos de desfiles de moda, shows de drag e, claro, batalhas épicas de moda. Voguing é um estilo de dança performativa nascido nos salões de baile do Harlem, na cidade de Nova York.

O salão de baile tem um lugar especial na cultura pop. Beyoncé faz referência à cultura Ball em seu último álbum, “Renaissance”. Em 1990, Madonna lançou seu hit “Vogue”.

A cena também inspirou a série de TV “Pose”, o reality show “Legendary” e o documentário “Paris is Burning”, um clássico queer.

Como tal, o Ballroom tornou-se um fenómeno global que anima a vida noturna de Paris a Lagos e Tóquio. O movimento se enraizou no Brasil ao longo da última década e rapidamente se espalhou por todas as regiões do país, onde se reinventa graças a uma nova geração de artistas trans e negros.

No dia 31 de julho, a comunidade Ballroom se reuniu em São Paulo para um momento muito especial: o Baile dos Pioneiros, evento em homenagem aos pioneiros que criaram a cena. “Estamos aqui para celebrar nossa ancestralidade viva”, declara Juani Hands Up, anfitrião do evento.

Neste baile, os jurados são pioneiros, título reservado a quem criou o cenário Ballroom do zero. Eles são líderes indiscutíveis da comunidade.

Um dos jurados é Félix Pimenta, artista pioneiro que divulga a cultura do Baile em São Paulo por meio de festas como Amem, Batekoo e Orgulho Negro. Outra juíza é Ákira Avalanx, conhecida por dar aulas gratuitas de vogue em Anhangabaú, no coração da cidade.

O último jurado é Fênix Mandacaru, que trouxe o Ballroom para o Nordeste do Brasil. São também uma das principais referências nas pesquisas acadêmicas sobre a cena. “Chegou a hora da nova geração aprender nosso nome e legado. É por isso que estamos jogando essa bola”, afirma Fênix.

O público se anima enquanto os jurados fazem suas apresentações e o DJ Luwa Cheia diminui o ritmo, quando Juani, apresentador do evento, anuncia a abertura de uma das categorias mais aguardadas da noite: o jeito antigo, o jeito clássico de voguing .

A precisão é a chave para se destacar nesta categoria, onde os competidores executam movimentos lineares, simétricos e angulares com braços e pernas.

Durante a apresentação, Jessy Velvet segura exemplares da revista Vogue. Esta é uma homenagem à pioneira Paris Dupree, que inovou a cena Ballroom de Nova York nos anos 80 ao coreografar as poses das modelos em revistas de moda como a Vogue. Foi assim que nasceu o voguing.

Jessy diz que sua arte está localizada na intersecção entre o tradicional e o futurista. Para eles, Ballroom está em 2070.

Em seguida, é hora da vogue femme, um gênero de voguing mais contemporâneo que aumenta o nível de drama na performance.

O público enlouquece quando os artistas dão um mergulho, onde de repente mergulham o corpo para trás e caem de costas com a perna esticada para cima. É um movimento arriscado, ousado e icônico.

Os artistas dão suor, sangue e lágrimas para homenagear a pioneira Eduarda Kona, que está no Baile dos Pioneiros como cantadora. “Fico feliz em receber esta homenagem em vida”, diz ela ao público, rindo.

Em 2015, Kona fundou a House of Hands Up, a primeira de muitas casas da comunidade Ballroom no Brasil. As casas são coletivos artísticos e também famílias adotivas de jovens LGBT+ que foram expulsos de suas casas.

A House of Hands Up nasceu em Brasília e abriu recentemente um novo capítulo em São Paulo. O primeiro evento na cidade foi o Pioneer Ball.

Eventos como este costumam ser organizados de forma independente e sem patrocinadores, afirma Jô Gomes, produtor executivo do Baile Pioneiro. Ela diz que as instituições públicas e privadas deveriam fazer mais para apoiar iniciativas culturais criadas por grupos historicamente marginalizados.

A cultura de salão desenvolveu vida própria no Brasil ao se misturar com outras tradições afro-diaspóricas, como a capoeira e o funk.

Em abril passado, aconteceu o primeiro Baile Indígena em Brasília. A cena Ballroom do Rio de Janeiro é destaque na docuseries “Hold That Pose”, do Globoplay, com lançamento previsto para o próximo ano.

No Pioneer Ball, o anúncio de uma categoria surpresa sugere um futuro brilhante para a cena.

Com 15 pessoas caminhando, quase metade do total de competidores da noite, a baby vogue é a categoria mais concorrida. Os iniciantes demonstram resistência e talento para manter viva a cena Ballroom.

Um deles é Pieel. Com um sorriso no rosto, ele encanta o júri em sua primeira apresentação em um Baile e leva para casa o troféu da categoria.

“Essa vitória significa muito para mim porque os jurados desta noite são pioneiros. Foram eles que começaram tudo”, afirma.

Olhando para o futuro, Pieel vê um cenário movimentado com apoio financeiro e eventos por todo o país. “Para muitos, o Ballroom é como uma terapia. É um porto seguro.

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